Lei Maria da Penha corre risco de ser contrariada
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu continuidade na terça-feira, 10, ao julgamento do pedido de habeas corpus ajuizado por um homem acusado de agredir a esposa no Guará, Distrito Federal, onde a vítima, após prestar queixa e o inquérito ser instaurado, desistiu da acusação contra seu agressor. Diante disto, a Juíza arquivou o caso. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) recorreu e o Tribunal de Justiça do DF reabriu o processo.
É a primeira vez que o STJ julga um caso de continuidade ou não de inquérito em decorrência da desistência da vítima de violência doméstica e familiar e sua decisão abrirá um precedente histórico no enfrentamento da violência contra a mulher. A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), no seu artigo 16, afirma "Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público". Neste caso, os únicos tipos de renúncia permitidos são os crimes de injúria e ameaça, mas não o de lesão corporal.
A ministra relatora Jane Silva, desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (MG), afirmou que a Lei Maria da Penha precisa ser respeitada e o inquérito deverá prosseguir independentemente da vontade da vítima. "Tenho um comprometimento de 14 anos na luta contra a violência familiar e doméstica. Se nós não prestigiarmos a Lei Maria da Penha, a violência doméstica vai continuar" afirmou. A ministra também relatou uma experiência semelhante em que a vítima desistiu do processo e continuou sendo espancada pelo seu companheiro.
A promotora Laís Cerqueira Silva e o promotor de justiça Fausto Rodrigues de Lima concordam com a posição da ministra Jane Silva. "O que se discute aqui é saber se nos crimes de lesão corporal, como este, as vítimas devem ser questionadas ou não sobre a continuidade da investigação e instauração do processo", explica o promotor Fausto de Lima.
O promotor lembra ainda que, no ano passado no Distrito Federal (DF), o Tribunal de Justiça do DF deu continuidade ao processo de violência familiar contra o agressor, independente da vontade da vítima.
De acordo com a Lei Maria da Penha, o crime de lesão corporal não precisa de autorização da vítima para dar continuidade ao processo. A Lei prevê que a Promotoria tem que agir mesmo nos casos em que a vítima desiste do processo porque, em muitos casos, estas vítimas são dependentes financeira e emocionalmente do agressor.
Os ministros Nilson Naves e Hamilton Carvalhido, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), defendem que uma ação penal depende da representação da ofendida e acreditam que admitir a renúncia é mais benéfico para a vítima e para o agressor.
Já o ministro Paulo Galloti e a ministra Maria Thereza de Assis pediram vistas para melhor avaliarem o caso.
A organização Agende Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE), que faz parte da Coordenação Nacional do Observatório da Lei Maria da Penha instituído no ano passado, alerta para a decisão que pode contrariar a Lei Maria da Penha no que se refere ao crime de lesão corporal oriundo da violência doméstica previsto na Lei e convoca às organizações feministas e os movimento de mulheres para o acompanhamento do processo HC 96992 em tramitação no Superior Tribunal de Justiça.
Ivonne Ferreira
Assessora de Comunicação - AGENDE
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